PUB

Discussões políticas: Como minimizar conflitos com amigos em tempo de eleições

29 Fev 2024 - 10:42

Discussões políticas: Como minimizar conflitos com amigos em tempo de eleições

Em tempo de eleições, a política ocupa um lugar de destaque em várias conversas com amigos e familiares. E, se é da discussão que nasce a luz, por outro lado, a partilha de pontos de vista opostos pode ser motivo de zangas e conflitos irreparáveis.

PUB

A polarização da sociedade é apresentada como um dos principais fatores de risco mundial a curto prazo, aponta o Fórum Económico Mundial. No Relatório sobre Riscos Globais 2023, esta questão surge em quinto lugar na lista dos riscos mais graves para os próximos dois anos e desce para sétimo lugar, quando se perspetiva a 10 anos.

Luís Caeiro, professor da Universidade Católica de Lisboa, destacou, num artigo publicado no website institucional, que “a polarização é uma séria ameaça às bases da democracia que assentam no diálogo, no respeito pelas instituições, na tolerância, na abertura à diferença e no reconhecimento da legitimidade dos outros”.

Em altura de eleições, esta questão torna-se mais evidente: um estudo realizado pelo Pew Research Center durante as Presidenciais norte-americanas de 2020 – entre Donald Trump e Joe Biden – mostrou que a maioria dos eleitores tinha “muitos” amigos que apoiavam o mesmo candidato e “apenas alguns” amigos que iriam votar no adversário

Em Portugal, não existem dados concretos sobre as relações entre pessoas de diferentes ideologias, mas o aumento da polarização tem sido notado pela comunidade das ciências sociais.

Num ano em que existem vários sufrágios, a discussão política torna-se mais recorrente no dia a dia dos eleitores. Por essa razão, o Viral reuniu algumas dicas para melhorar o debate entre pessoas de ideologias diferentes, evitando situações de conflitos com amigos ou familiares.

Tente não se exaltar durante a discussão

Quando a conversa com amigos segue por caminhos políticos, é comum encontrarem-se ideologias e opiniões diferentes. As emoções podem vir à flor da pele, o tom da conversa subir e a irritação marcar o discurso. Este é um dos primeiros passos a seguir para evitar conflitos desnecessários: não se exaltar.

PUB

“Quando somos confrontados com ideologias diferentes das nossas, é comum experimentarmos uma sensação de desconforto”, explica ao Viral o psiquiatra Pedro Zuzarte, professor na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Esta irritação acontece porque os “valores e crenças são desafiados”.

As emoções podem prejudicar o debate racional e, por isso, o especialista aconselha que tente “resistir ao impulso de reagir de forma precipitada” e “demasiado emotiva”, prossegue o especialista. 

Além disso, aponta, deve procurar “observar as crenças opostas com objetividade e distância”, para evitar que a discussão vá “para um campo pessoal onde é mais fácil haver confrontos”.

Também Miguel Ricou, presidente do Conselho de Especialidade de Psicologia Clínica e da Saúde da Ordem dos Psicólogos Portugueses, refere que “a irritação é uma expressão da frustração da pessoa” e torna-se contraproducente na discussão – seja política ou não. 

Somos nós que estamos a falhar quando nos irritamos. Ficamos frustrados porque não estamos a passar a ideia ao outro”, acrescenta o psicólogo.

Lembre-se de que a pessoa não é só aquela ideia

Já pensou em afastar-se de alguém por terem diferentes opiniões políticas? Pondere se faz sentido desistir tão depressa da amizade, lembre-se que essa pessoa é mais do que uma ideologia com a qual não concorda.

“Há muito mais coisas que nos unem do que aquelas que nos separam”, diz Miguel Ricou, numa referência à música “Primeiro Beijo” de Rui Veloso.

O psicólogo lembra que  “o que nos faz gostar das pessoas é muito mais do que uma ideia, são os momentos, os gestos e a postura da pessoa.”

Por isso, aconselha a tentar “mostrar que gosta da pessoa” e conduzir a conversa para “um plano mais teórico”.

PUB

No mesmo sentido, Pedro Zuzarte lembra que, apesar de as ideologias diferentes estarem “associadas a discórdia”, a partilha de opiniões pode “enriquecer as relações interpessoais”.

“Se existir abertura a novas perspetivas, as diferenças ideológicas podem promover diversidade de pensamento, saída de padrões rígidos, crescimento e aprendizagem mútuas”, acrescenta o psiquiatra. 

Focar-se na pessoa é também um dos conselhos do guia para discussão política publicado no site da Universidade de Texas em Austin. Segundo este artigo, é importante que se apoie na relação interpessoal que já existe e não recorrer a comentários pessoais.

A partilha de experiências individuais relevantes e a exposição de situações hipotéticas identificáveis poderá também ajudar na discussão. 

Não tente mudar a opinião do outro, opte por reduzir a polarização

Quando duas ideologias diferentes se confrontam em discussão, ambos os lados têm o desejo de mudar a opinião do outro

É aconselhável que procure afastar-se deste impulso e, em vez disso, procure ouvir o que a pessoa tem para dizer. Poderá também apresentar argumentos que combatam a polarização.

Pedro Zuzarte refere que “a vontade de alterar a perspetiva ideológica de outra pessoa é um traço bastante humano”, que está relacionado com a “tendência natural para valorizar as próprias crenças como mais acertadas ou, por vezes, como as únicas válidas”.

No entanto, nestes debates políticos, é importante prezar pela “empatia, promovendo uma abertura “à possibilidade de que existam outras interpretações válidas”. 

“Esperar uma ‘conversão de ideias’ pode ser irreal ou, a ocorrer, é geralmente um processo lento e pessoal”, prossegue o especialista.

PUB

Por isso, Pedro Zuzarte aconselha a focar a conversa numa tentativa de “compreender o outro, em vez de o tentar convencer”. O especialista explica que “este princípio pode levar a conversas mais produtivas e menos conflituosas”.

Miguel Ricou sublinha a importância de “falar do processo de polarização falaciosa”, numa tentativa de explicar à outra pessoa que os dados e os argumentos que justificam determinadas ideias podem não ser factuais.

Por exemplo: a partir do argumento dado, tente entender a origem da informação e, se se justificar, poderá explicar como funcionam as notícias falsas ou o populismo

Foque-se também em dados concretos para contrapor os argumentos. No fundo, com esta estratégia, combate-se a origem da ideologia em vez da ideologia em si

“São boas técnicas para fazer as pessoas pensar e retirá-las das discussões específicas”, aponta Miguel Ricou, sublinhando que, ao “colocarem-se fora do tema, as pessoas compreendem mais facilmente”.

O psicólogo lembra que os pólos mais extremados da política tendem a vender “salvação e segurança”, o que faz com que as pessoas “fiquem mais próximas de acreditar porque se sentem mais seguras”. Por essa razão, “não se consegue convencer uma pessoa polarizada com argumentos”.

Tente compreender o outro e procure pontos comuns

Pode parecer que as temáticas que dividem são as que mais vezes vêm à conversa, mas isso não significa que as pessoas discordem na maioria dos assuntos. 

Pelo contrário, afirma Miguel Ricou: “A lógica é que as pessoas concordam em muito mais coisas do que aquelas em que discordam.”

Ao iniciar o debate, tenha em mente que as opiniões do outro não invalidam a sua e que, se falar de vários assuntos, irá conseguir encontrar temas em que ambos concordem. 

PUB

Miguel Ricou destaca dois fatores importantes: “compreensão e aceitação”. “O erro é acreditar que um lado está certo e o outro está errado” e ter a “necessidade de provar que o outro está errado”.

Também Pedro Zuzarte aconselha a “distanciar-se do seu próprio ponto de vista”, criando abertura para que “existam outras interpretações válidas, mesmo que não sejam as nossas”.

Os dois especialistas lembram que as crenças e ideologias das pessoas têm por base as experiências individuais que se acumulam ao longo da vida – principalmente durante a infância. Por essa razão, procure ser tolerante e evite colocar em causa o que o outro pensa.

Segundo a Universidade de Texas em Austin, é também aconselhável assumir uma “postura de defensor em vez de opositor”. Evite palavras que possam irritar o outro ou fazer a pessoa sentir-se insultada e adote um discurso claro para quem o ouve.

Escolha as suas lutas e evite temas fraturantes

Duas pessoas dificilmente concordam em todos os assuntos, mas também há situações em que os temas que as dividem são mais do que os que as aproximam. E, nesses casos, é importante repensar se vale a pena manter a discussão.

“Quando há muitas ideias de discórdia, quando não se consegue aceitar a ideia radical do outro, [a relação] torna-se inviável”, afirma Miguel Ricou, repetindo que, por norma, há mais assuntos de concordância do que de discórdia entre as pessoas.

PUB

Algumas pessoas podem considerar que existem temas “indiscutíveis” – como, por exemplo, os tópicos associados aos direitos humanos. Nesses casos, “é essencial abordar a conversa com um nível de respeito e de delicadeza particulares”, afirma Pedro Zuzarte.

“Reconhecer a força das convicções alheias não significa que devemos abdicar das nossas, mas sim que devemos procurar terrenos comuns – como o reconhecimento da dignidade intrínseca de cada ser humano”, sustenta.

Nestas situações, é necessário que o diálogo seja baseado “no respeito mútuo e na busca por valores universais”, que sejam comuns a todos e que possam “ser a ponte para o diálogo”. 

No mesmo sentido, segundo a Universidade do Texas em Austin, é importante “escolher as batalhas”: se na política nacional não concordam, procurem debater política local; se não se entendem sobre o partido, tentem debater políticas; se o assunto urgente estiver a gerar conflito, evite-o.

E, acima de tudo, “divirta-se e debata”, aconselha David Gergens, um famoso consultor político e ex-assessor de vários Presidentes norte-americanos, nas “20 dicas para um debate político”.

Categorias:

Relações | Saúde mental

29 Fev 2024 - 10:42

Partilhar:

PUB